amesterdao, a cidade onde nao é preciso tomar drogas para tripar... uma historinha para ti Aerogel, quando estiveres aborrecido /forum/images/graemlins/thud222.gif
O Berg de pantufas pela cidade, sentado em cima de uma cadeira em cima do assento da bicicleta, porque encontrou a cadeira na rua e quer reciclá-la e levá-la para o armazém naval, e parece que pertence a um circo, pois para além disso ainda carrega um contentor cheio de gasolina para o gerador do armazém, pois precisamos de electricidade para ver o Waking Life com o projector. E embora eu já esteja habituada ao seu novo corte de cabelo e já nem repare que é estranhíssimo, este fá-lo parecer um cão punk, ou um palhaço de rastas, pois está rapado e ao mesmo tempo tem rastas dos lados, e ao mesmo tempo tem um mohegan em cima. Lembro-me de quando chegou a minha casa numa noite de Verão com um barrete de lã e eu lhe perguntei imediatamente:
- Did you do something to your hair?
E ele mostrou-me o seu novo corte e perguntou-me, a sorrir:
- Do you think it’s original?
- Yeah, that’s for sure!
E depois paramos num supermercado e o Berg vai comprar legumes para o jantar, e sumo, e eu e o Jonas sentamo-nos na cadeira, na rua, enquanto esperamos, e aparece um homem vestido à comando ou algo assim, com uma voz muito, muito fininha, e um ar assustador, e sorri-nos e guincha coisas difíceis de entender, e tem um saco enorme cheio de croissants não sei porquê, e oferece-nos um a cada um. O Berg sai do supermercado, de pantufas, e o homem oferece-lhe um croissant também, e nós damos-lhe sumo, e depois ele fala ao Berg e este olha para ele com ar de quem não entende nada mas não quer dar-lhe a entender que não entende para não ser ofensivo, só que depois olha para mim e pergunta-me:
- What’s he saying?
E eu por qualquer motivo percebo o que o homem diz e respondo-lhe:
- He’s saying that he likes the green Beetle next to you.
- Oh. – responde o Berg, olhando para o Carocha estacionado mesmo ao pé de nós. – Yeah, man, it’s a really cool car!
Depois o homem vai-se embora a falar sozinho, e nós montamos nas bicicletas e guiamos pela cidade que nem loucos, com o Berg aos gritos e a cantar, em cima duma cadeira em cima de uma bicicleta, eu com a minha saia comprida cor-de-rosa, e o Jonas com o contentor da gasolina. Não posso deixar de pensar que também nós somos criaturas de sonho no sonho de outras personagens de sonho, assim como o Daniel a transportar pela cidade um touro de ferro em tamanho natural que trouxe da aula de escultura no atrelado da bicicleta ainda nessa manhã. E depois aquele vagabundo que se queda transfixo e sério à porta do supermercado sem pedir nada a ninguém, com óculos escuros e ar de desenho animado, daqueles da Warner Bross, e que por mais que tente não consegue fazer-nos pensar que pertence a este planeta. Aquela rapariga inglesa viciada em heroína há mais de dez anos, que passa por mim e pelo Marco e nos grita:
- I need a hundred and thirty-six! You know? That’s what I need! – e depois continua a andar, transportando uma cadeira de jardim. O homem de aspecto eslovaco cujo grito ouvimos ao longe num canal, e depois vemo-lo aparecer a praguejar ininterruptamente sobre algo que o perturba, e a sua bicicleta faz um barulho ensurdecedor porque deve estar estragada, e ele tenta pedalar muito, muito depressa, como se quisesse saltar para outra dimensão por ter vindo parar a esta devido a um engano cósmico qualquer e tivesse saudades de casa. E um dia depois eu e o Marco voltamos a vê-lo noutra parte da cidade, novamente a praguejar na mesma bicicleta barulhenta, embora agora esteja um pouco mais calmo. O homem preto muito alto e magro com um fato semiespacial que caminha estranhamente na rua principal perto da minha casa, quase não saindo do mesmo lugar e movendo-se como uma cobra bailarina, ou como se apanhasse um choque eléctrico muito suave. Olho para trás e ele está quase a conseguir entrar na papelaria. Duas horas mais tarde volto a passar no mesmo sítio e é como se tivesse voltado atrás no tempo, ele lá continua, ainda a caminho da papelaria. O Marco diz-me que por vezes há lapsos destes, mas que ninguém repara neles. O vagabundo que toca blues pela cidade, mas sempre a mesma parte de uma música e nunca outra parte ou outra música. Aparece de repente ao virar de uma esquina, toca-nos a famosa parte da música, damos-lhe uma moeda, e depois desaparece ao virar de outra esquina. O homem de uns cinquenta anos que usa uma mini-saia e vem ter connosco no parque à noite e nos dá pevides porque, segundo nos diz, está a arrumar a mala. E depois senta-se ao pé de nós na relva escura a enrolar um charro e lê-nos partes de um livro à luz do isqueiro, num holandês que me faz lembrar marinheiros, e por fim diz-nos que tem que pôr os seus seios, e vai buscar dois enchumaços de esponja à mala e coloca-os por dentro da blusa, e pergunta-nos a mim ao Marco se queremos apalpar as suas mamas para ver se estão boas, ao que nós respondemos naturalmente que sim, e por fim concluímos que estão óptimas. Os gansos que estão bastante perto de mim e do Marco, durante imenso tempo, a pastar, ao lado daquela quinta a cinco minutos da minha casa, e finalmente um deles vê-nos e ficam todos muito alterados, a perguntarem-se:
- Shit mate, do you think they saw us?
E o primo irlandês do ganso australiano que acabou de fazer a pergunta responde-lhe:
- Fock! We better ron quickly!
E os outros gansos holandeses começam todos a correr e a murmurar:
- Snel, naar het water!
E pulam todos para dentro do lago cheio de musgo verde. E por fim, quando eu e o Marco estamos totalmente exaustos de todas estas situações que duram há semanas, e tentamos descansar um pouco num sofá da sala dos fundos do estúdio da televisão dos estudantes, o interruptor não funciona e o Marco diz-me para eu não olhar, que não é suposto eu saber que isto é mesmo um sonho, quer dizer, que não deveríamos ter a certeza assim tão absoluta, e por fim acaba por ter que desatarraxar a lâmpada para conseguir apagar a luz.