Andamos pelas ruas de Campo de Ourique a pedir cigarros a quem passa, o que é difícil, sobretudo quando estou com ela, pois é mais baixa que eu e temos as duas um ar demasiado novo para alguém se sentir bem a dar-nos de fumar. Separamo-nos e cada uma dá a volta a um quarteirão diferente. Depois encontramo-nos à porta da casa da Sara.
- Foda-se! – exclama ela. - Não arranjei nada! Estes idiotas pedagogos olham para mim e devem achar que eu tenho treze anos. Mas tenho quinze, estúpidos!
- Eu arranjei um. – sossego-a. – Já chega por agora. Vamos fazer o charro.
Seguimos para a Igreja de Santo Contestável, onde nos sentamos à porta de uma capela.
- Enrolas tu? – pergunta-me. – Tens mais jeito.
- Está bem. – respondo. – Faz o filtro.
- Está bem.
Ela rasga a ponta de um módulo de autocarro usado e enrola-a em cilindro com dobrinhas no meio para não deixar passar nada. Eu parto o cigarro e espalho quase todo o seu conteúdo na palma da minha mão, depois ponho a pequena pedra de haxixe em cima do montículo de tabaco e começo a queimá-la com o isqueiro até ficar em brasa. De seguida desfaço com os dedos a substância preta, ainda quente, e misturo tudo. Sente-se o cheiro forte do haxixe. Então coloco a mortalha aberta por cima da mistura e viro a mão ao contrário para cair tudo no pequeno papel. A Sara dá-me o filtro e eu ajeito-o numa das extremidades. Por fim enrolo, lambo a parte da mortalha que tem cola, e o charro está feito. A Sara tem um isqueiro e eu acendo-o. Ficamos ali a fumar consoladas, sabendo que daí a pouco estaremos noutra espécie de dimensão.
- Gosto quando aparece de repente uma nuvem dentro da minha cabeça e então sei que estou mocada. – diz a Sara.
- Sim. – concordo. – Às vezes parece-me que estou num sonho.
- E que se abre uma janela, nunca sentes?
- Sim! – exclamo. – É óptimo!
- Quando fumo ao menos sinto-me livre. – continua a Sara.
- Eu sei. Perde-se a consciência das obrigações e tudo é bom. – digo. - Cada momento é infinito.
- Quando for grande quero viver numa casa enorme e cheia de gente da minha idade, todos artistas, a fazerem as suas pinturas, poesias e músicas. – divaga a Sara.
- E depois? – pergunto.
- E depois fumamos charros e somos felizes. – diz. – E o Sol brilha sempre por cima das nossas cabeças!
Sorrio. Às vezes ainda a acho uma menina utópica e infantil, embora ao mesmo tempo pressinta nela uma inteligência poética, que se nota nos livros que lê, nas músicas que ouve, e no modo como observa tudo e todos, persistentemente silenciosa, sobretudo quando ainda não conhece bem as pessoas. Imagino que aprende sobre o mundo, para um dia ser uma rainha sábia, uma diva calma, e para sempre a minha melhor amiga.
- Foda-se! – exclama ela. - Não arranjei nada! Estes idiotas pedagogos olham para mim e devem achar que eu tenho treze anos. Mas tenho quinze, estúpidos!
- Eu arranjei um. – sossego-a. – Já chega por agora. Vamos fazer o charro.
Seguimos para a Igreja de Santo Contestável, onde nos sentamos à porta de uma capela.
- Enrolas tu? – pergunta-me. – Tens mais jeito.
- Está bem. – respondo. – Faz o filtro.
- Está bem.
Ela rasga a ponta de um módulo de autocarro usado e enrola-a em cilindro com dobrinhas no meio para não deixar passar nada. Eu parto o cigarro e espalho quase todo o seu conteúdo na palma da minha mão, depois ponho a pequena pedra de haxixe em cima do montículo de tabaco e começo a queimá-la com o isqueiro até ficar em brasa. De seguida desfaço com os dedos a substância preta, ainda quente, e misturo tudo. Sente-se o cheiro forte do haxixe. Então coloco a mortalha aberta por cima da mistura e viro a mão ao contrário para cair tudo no pequeno papel. A Sara dá-me o filtro e eu ajeito-o numa das extremidades. Por fim enrolo, lambo a parte da mortalha que tem cola, e o charro está feito. A Sara tem um isqueiro e eu acendo-o. Ficamos ali a fumar consoladas, sabendo que daí a pouco estaremos noutra espécie de dimensão.
- Gosto quando aparece de repente uma nuvem dentro da minha cabeça e então sei que estou mocada. – diz a Sara.
- Sim. – concordo. – Às vezes parece-me que estou num sonho.
- E que se abre uma janela, nunca sentes?
- Sim! – exclamo. – É óptimo!
- Quando fumo ao menos sinto-me livre. – continua a Sara.
- Eu sei. Perde-se a consciência das obrigações e tudo é bom. – digo. - Cada momento é infinito.
- Quando for grande quero viver numa casa enorme e cheia de gente da minha idade, todos artistas, a fazerem as suas pinturas, poesias e músicas. – divaga a Sara.
- E depois? – pergunto.
- E depois fumamos charros e somos felizes. – diz. – E o Sol brilha sempre por cima das nossas cabeças!
Sorrio. Às vezes ainda a acho uma menina utópica e infantil, embora ao mesmo tempo pressinta nela uma inteligência poética, que se nota nos livros que lê, nas músicas que ouve, e no modo como observa tudo e todos, persistentemente silenciosa, sobretudo quando ainda não conhece bem as pessoas. Imagino que aprende sobre o mundo, para um dia ser uma rainha sábia, uma diva calma, e para sempre a minha melhor amiga.