- Tive agora a sensação muito forte de que já vivi este momento.
- Quando?
- Não sei, talvez nunca, talvez a sensação seja de que este momento é suposto acontecer.
- Estou a ficar arrepiada, Laura!
- Não tenhas medo, Alice. É uma sensação boa, como se esta noite fizesse parte de uma história maior.
- Como as histórias dos nossos livros?
- Sim, como se o teu livro da levitação e meu livro nuclear já tivessem sido escritos, assim como tudo sobre a Lista E e o Festival da Paz.
- Por quem?
- Não sei. Talvez por nós, por outros, pelo Michael Ende.
- Não estou a perceber.
- Eu também não percebo completamente, mas não é preciso, porque a sensação é tão forte!
- O que é que sentes?
- Sinto que já vivemos este momento, ao mesmo tempo em que o estamos a viver, e que o vamos viver novamente.
- Como se o passado, o presente, e o futuro fossem só um?
- Talvez. É como uma espiral que gira, gira, e nunca tem fim.
- E deixa-me tonta.
- Mas não faz mal, pois não temos que pensar sempre nisto. E sabes o que é o melhor de tudo?
- O quê?
- É que como a nossa história está sempre a ser reescrita e revivida, nós próprias podemos modificá-la.
- Então porque é que não somos felizes?
- Acho que é por causa do Nada.
- E o Nada é o quê?
- É o medo.
- Será que o medo é preciso?
- Talvez seja, para que os homens entendam como é importante viver.
- E o que é que sentes mais?
- Sinto que há uma pequena janela que se abriu um pouco, e por onde posso espreitar e ver coisas lindas que normalmente não conseguimos distinguir.
- Tais como?
- Tais como alguém que escreve a nossa história, não sei quem, mas que já sabe o que vamos dizer porque já o dissemos antes.
- Quem?
- Não consigo ver, Alice. Mas esse alguém sabe o quanto nos amamos, e o quanto nos odiamos. Sabe tudo o que se passou até agora, e tudo o que se vai passar a partir daqui, porque tudo já aconteceu!
- E esse alguém observa-nos?
- Sim, está connosco neste momento, a sentir o mesmo que nós, e também já viveu isto antes.
- Então o meu livro já está escrito?
- Já, mas tu vais escrevê-lo outra vez, porque também já está escrito que o vais fazer, porque esta é a nossa própria História Interminável.
Encosto-me para trás na cadeira e toda a minha pele se arrepia. Fico a olhar para o que acabei de escrever, estupidificada. O meu estômago contorce-se, e volto a sentir o mesmo que senti na cozinha da Laura, há tantos anos. Excepto que agora percebo ao que ela se referia, e a sensação é mais forte ainda. Ela falou-me, naquela noite, simultaneamente, em todos os tempos. A pessoa que estava connosco, que escrevia a nossa história e sabia tudo o que ia acontecer, porque tudo já tinha acontecido, era eu. Sou eu agora, ao descrever a nossa conversa, e sou eu que sei tudo o que se vai passar a seguir, porque tudo já aconteceu. A Laura descobriu um buraco no tempo, e falou comigo do passado para o futuro, e no presente dos dois tempos em simultâneo. Foi por isso que sentimos, então, que descobríramos algo magnífico, e que a espiral infinita das histórias intermináveis nos atordoou e encheu de uma qualquer beleza misteriosa.
A partir daí comecei a desconfiar que vivíamos todos os tempos sincronicamente, e que quem me observava era a eu a mim própria, do futuro para o passado, quando recordava a minha imagem sentada à beira do lago enorme e pantanoso, de cabelos ao vento, a sentir-me observada. Percebi que a história do meu primeiro livro começara realmente em frente a esse lago nórdico, quando ouvia Pink Floyd através dos auscultadores portáteis, e me lembrava do Roque numa aula da segunda classe, e dos meus desejos numa tarde de sol. Aquela música, The Gunners Dream, relatava o momento exacto que eu vivia. As memórias desciam através das nuvens para me encontrarem, e no espaço entre o céu e a esquina de um campo estrangeiro, eu tive um sonho. Um sonho que se realizou a partir desse momento, mas numa dimensão diferente da desejada. E, se reparamos bem, talvez seja isso que acontece com todos os nossos desejos.
- Quando?
- Não sei, talvez nunca, talvez a sensação seja de que este momento é suposto acontecer.
- Estou a ficar arrepiada, Laura!
- Não tenhas medo, Alice. É uma sensação boa, como se esta noite fizesse parte de uma história maior.
- Como as histórias dos nossos livros?
- Sim, como se o teu livro da levitação e meu livro nuclear já tivessem sido escritos, assim como tudo sobre a Lista E e o Festival da Paz.
- Por quem?
- Não sei. Talvez por nós, por outros, pelo Michael Ende.
- Não estou a perceber.
- Eu também não percebo completamente, mas não é preciso, porque a sensação é tão forte!
- O que é que sentes?
- Sinto que já vivemos este momento, ao mesmo tempo em que o estamos a viver, e que o vamos viver novamente.
- Como se o passado, o presente, e o futuro fossem só um?
- Talvez. É como uma espiral que gira, gira, e nunca tem fim.
- E deixa-me tonta.
- Mas não faz mal, pois não temos que pensar sempre nisto. E sabes o que é o melhor de tudo?
- O quê?
- É que como a nossa história está sempre a ser reescrita e revivida, nós próprias podemos modificá-la.
- Então porque é que não somos felizes?
- Acho que é por causa do Nada.
- E o Nada é o quê?
- É o medo.
- Será que o medo é preciso?
- Talvez seja, para que os homens entendam como é importante viver.
- E o que é que sentes mais?
- Sinto que há uma pequena janela que se abriu um pouco, e por onde posso espreitar e ver coisas lindas que normalmente não conseguimos distinguir.
- Tais como?
- Tais como alguém que escreve a nossa história, não sei quem, mas que já sabe o que vamos dizer porque já o dissemos antes.
- Quem?
- Não consigo ver, Alice. Mas esse alguém sabe o quanto nos amamos, e o quanto nos odiamos. Sabe tudo o que se passou até agora, e tudo o que se vai passar a partir daqui, porque tudo já aconteceu!
- E esse alguém observa-nos?
- Sim, está connosco neste momento, a sentir o mesmo que nós, e também já viveu isto antes.
- Então o meu livro já está escrito?
- Já, mas tu vais escrevê-lo outra vez, porque também já está escrito que o vais fazer, porque esta é a nossa própria História Interminável.
Encosto-me para trás na cadeira e toda a minha pele se arrepia. Fico a olhar para o que acabei de escrever, estupidificada. O meu estômago contorce-se, e volto a sentir o mesmo que senti na cozinha da Laura, há tantos anos. Excepto que agora percebo ao que ela se referia, e a sensação é mais forte ainda. Ela falou-me, naquela noite, simultaneamente, em todos os tempos. A pessoa que estava connosco, que escrevia a nossa história e sabia tudo o que ia acontecer, porque tudo já tinha acontecido, era eu. Sou eu agora, ao descrever a nossa conversa, e sou eu que sei tudo o que se vai passar a seguir, porque tudo já aconteceu. A Laura descobriu um buraco no tempo, e falou comigo do passado para o futuro, e no presente dos dois tempos em simultâneo. Foi por isso que sentimos, então, que descobríramos algo magnífico, e que a espiral infinita das histórias intermináveis nos atordoou e encheu de uma qualquer beleza misteriosa.
A partir daí comecei a desconfiar que vivíamos todos os tempos sincronicamente, e que quem me observava era a eu a mim própria, do futuro para o passado, quando recordava a minha imagem sentada à beira do lago enorme e pantanoso, de cabelos ao vento, a sentir-me observada. Percebi que a história do meu primeiro livro começara realmente em frente a esse lago nórdico, quando ouvia Pink Floyd através dos auscultadores portáteis, e me lembrava do Roque numa aula da segunda classe, e dos meus desejos numa tarde de sol. Aquela música, The Gunners Dream, relatava o momento exacto que eu vivia. As memórias desciam através das nuvens para me encontrarem, e no espaço entre o céu e a esquina de um campo estrangeiro, eu tive um sonho. Um sonho que se realizou a partir desse momento, mas numa dimensão diferente da desejada. E, se reparamos bem, talvez seja isso que acontece com todos os nossos desejos.